Tuesday, January 23, 2007

Riscos associados ao uso de anti-retrovíricos em pessoas transgénero

Riscos associados ao uso de anti-retrovíricos em transsexuais
Baseado no estudo coordenado pelo Dr. Nicolas Hacher, Maio de 2006
Adaptado por Luís Mendão

As interacções entre os Anti-retrovíricos (ARVs) para a infecção pelo VIH e as combinações de estrogénio/progesterona, substratos dos citocromos P450 e CYP3A4, começam a ser conhecidas. Estas interacções estão possivelmente relacionadas com riscos de sobre ou sub-dosagem dos níveis hormonais, consoante há inibição ou indução enzimáticas. Por outro lado, há poucos dados sobre estas interacções em relação à diversidade de tratamentos hormonais prescritos aos transsexuais com infecção pelo VIH, sejam estrogénios, anti-estrogénios ou androgénios. Este problema merece atenção porque estas pessoas têm frequentemente várias patologias associadas com interacções múltiplas de medicamentos.
Para além dos riscos associados com as alterações dos níveis hormonais e dos ARVs, devem também considerar-se as alterações metabólicas dos glúcidos e dos lípidos induzidas pelos ARVs, risco acrescido de trombo embolismo e de toxicidade hepática. Estes riscos aumentam ainda mais devido à prática frequente de auto-medicação entre alguns transsexuais, com doses e produtos não estudados.
O transsexualismo é considerado uma desordem idiopática (i.e. de causa desconhecida) da identidade do género, caracterizada pelo sentimento pleno e irreversível de pertencer ao sexo oposto, associado com sofrimento e o desejo de cuidados médicos, que pode levar à mudança cirúrgica de género sexual. Não há consenso absoluto sobre a monitorização dos cuidados de saúde nestes casos, mas dispomos das linhas de orientação da Harry Benjamin International Gender Dysphoria Association e os "Standards of Care for gender identity disorders, sixth version, February 2001" (www.hbigda.org/soc.htm).
1. Tratamentos hormonais
Antes da mudança cirúrgica de género sexual, o tratamento hormonal tem como objectivo começar a transformar o corpo para o pôr de acordo com o género psicológico. Adicionalmente o tratamento hormonal também preserva a integridade óssea e previne complicações cardiovasculares no seguimento da cirurgia.
1.1 Masculino para feminino, mulher trangender
1.1.1 Anti-androgénios
Existem quarto tipos diferentes: não esteróides, esteróides, inibidores da enzima redutase- alfa-5 e agonistas do GnRH (castração química).
1.1.2 Estrogénios
O etinil estradiol é usado em muitos países, em doses que vão de 50 a 100 microgramas por dia (administração oral).
A tendência actual é usar estradiol-beta-17 através de um adesivo transdérmico diário ou semanal, ou um gel (uma a três aplicações diárias).
1.1.3 Depois da mudança de género cirúrgica.
Mantêm-se os estrogénios e a ciproterona pode ser substituída por progesterona natural, desde que seja mantido o equivalente de um tratamento de substituição hormonal.
1.2 Feminino para masculino, homem trangender
Os medicamentos usados são:
Androtardyl®: administração intramuscular de 250 mg cada 2, 3 ou 4 semanas.
Nebido®: decanoato de testosterona 1000 mg por 4 mililitros, uma ampola intramuscular cada três meses.
Androgel: 50 mg por dose de gel, uma dose percutânea por dia.
Andractim®: dihidrotestosterona, uma dose percutânea por dia.
Pantestone®: cápsulas de 40 mg de undecanoato de testosterona, 2 a 4 vezes por dia.
Em certos casos pré-operatórios, pode ser adicionado um progestogénio sintético para provocar amenorreia (ausência de menstruação). Apenas a testosterona é mantida na pós-cirurgia.
2. Interacções
2.1 Indução inibição do citocromo P450 pelos medicamentos ARVs; inibidores da protease, IPs (PI em inglês) e Inibidores Não–Nucleósidos da Transcriptase Reversa, INNTR, (NNRTI em inglês)
Os efeitos descritos para a alteração das concentrações do etinil estradiol com pílulas contraceptivas não podem ser automaticamente equiparados no caso dos medicamentos usados pelos transsexuais, porque há poucos dados sobre as interacções entre as hormonas (estrogénios naturais, ciproterona, testosterona) e medicamentos ARVs. De qualquer modo, estes tratamentos combinados podem provocar alterações de concentração semelhantes às verificadas com o etinil estradiol.
O tratamento para o VIH deve ser iniciado com precauções – sobretudo com os ARVs que inibem o citocromo P450 – e deve conter pequenas doses de estrogénios naturais e acetato de ciproterona-ACP (CPA em inglês) na transformação para transsexuais femininas e testosterona na transformação para transsexuais masculinos.
Na prática, é essencial monitorizar os níveis de estradiol plasmático para alcançar um nível igual ou superior aos 60 picogramas por ml (o nível mínimo para evitar perda de massa óssea e para assegurar protecção cardiovascular), permitindo também uma efeminização adequada. Numa dosagem de 50ml por dia, o CPA não cria qualquer problema, não mais do que a testosterona nas dosagens habituais, seja qual for o método de administração.

A complexidade destes tipos de interacção é proporcional à quantidade de componentes envolvidos, especialmente aqueles que agem na indução ou na inibição do citocromo P450: IPP, Rifampicina e Rifabutina, Ketoconazole, componentes anti-comiciais (para epilepsia), Metadona, Griseofulina, Glitazona, Hiperico Perforato, Estatinas. Com estes últimos, é necessário ter precauções particulares (especialmente com a Lovastatina e a Sinvastatina), pois não deveriam ser administrados simultaneamente com IPs (especialmente com o Ritonavir).
Caso contrário haverá aumentos do seu nível de circulação de até 3000% e de até 343% no caso da Atorvastatina, com o perigo de rabdomiólise.

É preciso notar, porém, que os efeitos de interacção nem sempre são nocivos. Isto pode-se observar no caso do Ritonavir, cujo efeito de inibição enzimática está associado com o efeito potenciador dos IPs tomados simultaneamente durante a terapêutica anti-retroviral (efeito potenciador).

2.2 Efeitos metabólicos cumulativos

É importante tomar os efeitos metabólicos em consideração a curto ou longo prazo: pancreatite aguda, complicações tromboembólicas e doenças coronárias.

2.2.1 Anormalidades dos glúcidos

Mais de 50% dos pacientes tratados com IPs apresentam uma série de desordens dos glúcidos que vão do hiper insulinismo à resistência à insulina ou a diabetes insulinodependentes com ou sem síndroma metabólico. Sabe-se que os IPs, especialmente o Indinavir, têm um efeito inibidor directo sobre os transportadores de glucose GLUT4, que são associados com um efeito sobre os tecidos adiposos. Gooren et outros. estudaram os efeitos do Etinil estradiol em homens e da testosterona em mulheres, usando o método de Clamp euglicémico- hiperinsulinémico, antes e quatro meses depois da hormonoterapia.
No estudo, participaram 13 transsexuais femininos-para-masculinos os quais receberam esteres de testosterona (250mg cada duas semanas) e 18 transsexuais masculinos-para-femininos os quais receberam seja etinil estradiol (0,1 mg ao dia oralmente), ou em conjunto com CPA (100mg ao dia por via oral).
O estudo indicou que estes tratamentos provocavam resistência à insulina. Este efeito será somado aos efeitos (secundários) causados pelos IPs. Neste estudo, os homens biológicos que receberam etinil estradiol mostraram uma diminuição de sensibilidade à insulina apesar de uma redução nos níveis da testosterona. Enquanto as injecções de testosterona provocam uma resistência à insulina em mulheres, esperava-se um aumento de sensibilidade à insulina quando os níveis de testosterona eram baixos. Duas hipóteses podem explicar este paradoxo aparente: Primeiro, pode argumentar-se que os efeitos de níveis de testosterona reduzidos sobre a sensibilidade à insulina eram menos potentes que os efeitos de níveis aumentados de estrogénio; a segunda hipótese tem a ver com a diferença em reacção à testosterona em função do sexo, com a testosterona a causar resistência à insulina somente nas mulheres.
Tudo isso indica como é difícil prever – baseando-se nos resultados farmacológicos dos tratamentos hormonais iso-sexuais – o que acontecerá na população transsexual. Há algo muito peculiar nos tratamentos cruzados. Contrariamente ao efeito do etinil estradiol porém, o estradiol 17-beta tem efeitos opostos em doses fisiológicas: abaixamento de glicemia com o estômago vazio, redução de HbA1c, de diabetes, seja qual for o método de administração, oral ou percutâneo.
Por outra parte, o CPA um derivado da hidro-progesterona é um factor de resistência à insulina mas isso pode ser compensado graças aos estrogénios naturais que lhe estão associados.
Semelhantes desordens metabólicas de glúcidos têm que ser tratadas de acordo com as recomendações resultantes das pesquisas sobre diabetes, para levar o HbA1c abaixo de 6,5% e também devem tratar-se os factores responsáveis por outros riscos cardiovasculares.
Isto implica uma escalada terapêutica que deve sempre envolver aconselhamento sobre dieta, juntando, se necessário, um tratamento anti diabético oral e tratamento com insulina.
Entre os compostos anti-diabéticos orais e as combinações potenciais pode colocar-se particular ênfase nos benefícios adicionais das glitazonas (rosiglitazona e pioglitazona) para as lipoatrofias associadas ao VIH, a causa de um aumento na lipogénese subcutânea em detrimento da gordura visceral.

2.2.2. Prevalecem a hipertrigliceridemia (em 35% dos casos) e a hipercolesterolemia (em 25% dos casos). É essencialmente o Ritonavir que causa os efeitos mais fortes (aumento da produção hepática de VLDL e diminuição na eliminação através de LDL), sobre os Triglicéridos.
Mais uma vez há efeitos cumulativos potenciais associados com os tratamentos hormonais cruzados usados pelos transsexuais.
Com a hiperlipidemia mista associada aos tratamentos ARV, com predominância de hipertrigliceridemia, efeitos possíveis de hormonoterapias cruzadas específicas dos transsexuais, as consequências das quais são maiores quando envolvem etinil estradiol em doses de 50 a 100 microgramas por dia, como se vê no estudo de Gooren e outros em 2003. (NÃO PERCEBO A FRASE ANTERIOR)Este estudo envolveu 20 transsexuais masculino para feminino e 17 transsexuais feminino para masculino, os quais receberam, respectivamente, CPA de 100 mg mais 100mg de etinil estradiol e 250 mg de testosterona intramuscular cada duas semanas. Enquanto a associação de CPA 100mg com estradiol 100mg permitiu um aumento de HDL e uma diminuição de LDL, o que é benéfico, também aumentou os níveis de Triglicéridos, a pressão arterial, a gordura visceral e subcutânea e diminuiu o tamanho das partículas de LDL, assim como a sensibilidade à insulina, tudo isso sendo prejudicial ao nível cardiovascular. (ACHO QUE O enquanto INICIAL ESTÁ A MAIS)
Em relação ao testosterona, esta diminuiu os níveis de HDL e o tamanho das partículas de LDL, mas aumentou os níveis de Triglicéridos e a actividade da lipase hepática. Houve também uma distribuição de gordura andróide para os tecidos adiposos viscerais. A pressão arterial, os níveis totais de colesterol e LDL, a actividade da lipase hepática e a sensibilidade à insulina ficaram praticamente inalterados.
Estes resultados deveriam levar-nos a usar o mais possível estrogénios naturais por via percutânea e com as mesmas doses usadas em tratamento de substituição hormonal depois da menopausa, especialmente em pacientes que utilizam IPs como indicado acima, devendo a dosagem de estradiol plasmático alcançar um nível entre 60 a 70 picogramas por ml. Os estrogénios naturais causam uma diminuição do colesterol LDL e actividade da lipase, assim como um aumento de HDL. Por outro lado, este aumento de HDL é mais importante no caso de compostos tomados oralmente do que no caso da administração percutânea. Finalmente há um leve aumento dos níveis de triglicéridos com tratamentos orais mas não com os percutâneos.

2.2.3 Trombose venosa e complicações tromboembólicas
As complicações tromboembólicas são potencialmente fatais e preveni-las é essencial. A sua incidência nos transsexuais masculino para feminino que recebem etinil estradiol por via oral é muito mais alta do que no caso de estradiol 17Beta percutâneo, seja ele ou não associado com acetato de ciproterona. O estudo de Gooren e outros, de 2003, mostrou que esta diferença era devida ao efeito específico do etinil estradiol sobre factores hemostáticos. O acetato de ciproterona, a associação entre estradiol percutâneo e o acetato de ciproterona, ou o estradiol oral mais o acetato de ciproterona tinham poucos efeitos sobre factores hemostáticos, enquanto o etinil estradiol induziria um grande aumento na resistência à proteína activada C (pl 0.001), um leve aumento nos níveis da proteína C (p<0.012)>

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