Tuesday, January 30, 2007

QUERO FAZER A DIFERENÇA





Cultura GLS: ENTREVISTA
"Quero fazer a diferença"
16/1/2007
Moacyr Filho, a Moa, é a primeira transexual a ser eleita presidente da Câmara de uma cidade no ES
Por Paco Llistó
Foto: Divulgação
A cidade de Nova Venécia, distante 268 km da capital do Estado, Vitória, tem uma representante de peso. Moacyr Sélia Filho, 49, mais conhecido como Moa, é a primeira transexual do Espírito Santo a ser eleita à presidência da Câmara Municipal. Para se ter uma idéia de sua influência entre os demais vereadores, Moa foi eleita por seis votos a três. Um fato inédito no município de um pouco mais de 40 mil habitantes.Em entrevista ao Mix Brasil, a presidente da Câmara de Nova Venécia falou sobre política, mas também sobre sua vida pessoal, que parece ter uma importância muito menor que seu trabalho com os menos favorecidos. Descontraída e consciente, Moa, que trabalha há 22 anos como cabeleireira e é formada em contabilidade, também comentou sobre preconceito e sobre os resultados das últimas eleições. Confira a seguir.Como aconteceu a articulação para sua eleição à presidência da Câmara?Antes de falar sobre a minha eleição à presidência da Casa, preciso falar sobre minha eleição à vereadora, em 2004. Fui a terceira mais votada no município e nesses dois primeiros anos do meu mandato fui líder do governo e fui o primeiro secretário da Câmara. Diante disso, cogitou-se a possibilidade de me candidatar a deputado estadual por Nova Venécia, meu nome chegou a ser registrado na chapa pelo PFL, mas preferimos apoiar outro candidato. Foi então que eu coloquei meu nome à disposição para a presidência nos dois últimos anos. Obtive cinco votos – nós estamos em nove vereadores. Nessa legislatura não há nenhuma mulher e, até hoje, somente duas mulheres ocuparam cadeiras.É uma vitória e tanto...É um fato inédito. Na 13ª legislatura só duas mulheres assumiram cadeiras no Parlamento e eu, como trans, fui muito bem votada e agora chego à presidência da Câmara com seis votos (foram cinco votos dos vereadores e o meu, seis).Hoje a senhora representa que partido?Hoje estou no PFL.Como a alta cúpula do partido recebeu sua candidatura?Eu tenho muito boa aceitação no PFL, apesar de pertencer a um movimento que não tem a ver com o partido que estou. Quer dizer, seria mais fácil para os movimentos sociais se eu ocupasse um partido de esquerda. Mas a nível nacional, me considero um bom representante de partido de esquerda porque defendemos a igualdade racial, pessoal... No interior, percebo que temos muita aceitação, visto que logo no meu primeiro ano de mandato fui líder de governo. Meu prefeito [Walter de Prá] tem 70 anos e me dá logo esse direito de representá-lo. E não é qualquer um que faz isso...E nessa próxima legislatura 2007/2008, quais são seus projetos, não só para a comunidade GLBT, mas também para as minorias em geral?Eu sempre digo que eu não me posiciono como um representante gay. Eu sempre digo que eu sou representante de uma comunidade, de um todo, que é a minha cidade. É lógico que eu sempre defendo os direitos iguais para negros, mulheres, deficientes, os menos favorecidos pela sorte e também os homossexuais. Não adianta uma trans colocar a bandeira do arco-íris nas costas e dizer que é representante da classe porque não vai se eleger em lugar nenhum...Por que a senhora acha isso?Porque a discriminação não está onde pensamos que está, na classe hétero. Hoje sou defensora dos gays e das lésbicas, nada de separação de travesti, de transexuais, de transgêneros, nada disso. Seria uma vitória muito mais rápida. Mas nós precisamos vencer num todo. Inclusive abrir esses movimentos para negros, para o movimento hip hop, para deficientes... Aí sim nós teríamos muito mais força para vencer.Falando do resultado das eleições passadas, como a senhora avalia a pouca representatividade da comunidade GLBT na política? O único candidato assumidamente gay foi Clodovil, mas ele já disse que não vai lutar necessariamente a favor dos direitos da comunidade...Eu não vejo como pequena a representatividade do movimento na política. Em todas as Casas de leis há homossexuais. Mas eles são os que mais discriminam a classe. Nós já temos maioria de folga em todos os parlamentos. A quantidade de homossexuais eleitos é muito grande. Hoje eu recebi um convite para prestigiar o Clodovil em sua posse. Eu não vou de forma alguma. Clodovil é o quê? Eu estive com ele em Brasília e, no momento em que me viu, perguntou sobre meu timbre de voz. Eu disse que era transexual. Ele questionou se era verdade. Eu disse que sim. Mas nem ele nem as pessoas que estavam em volta dele acreditaram. Foi então que eu disse que era transexual, vereadora, que estava em meu segundo mandato... Como eu posso ir à posse de uma pessoa que discrimina?Saindo agora um pouco da política e passando para sua vida pessoal. Como você é tratada pelos seus colegas e pelo povo? Já sofreu algum tipo de preconceito?Preconceito todos nós sofremos, porém, não vejo essa questão de preconceito dentro da Casa. Eu particularmente não sofri com isso. Eu sempre digo que a base de tudo é família. Eu consultei minha família, sou assumido desde 1980, quando eu aderi ao gênero feminino. E eu conquistei a minha família. Quando você tem o apoio da família você tem munição para sair às ruas. Modéstia à parte, sempre fui muito inteligente... Mexo com costura, salão, aprendi a fazer contabilidade, sou artista plástico, adoro decoração, eu sempre estive na vida de minha cidade de uma forma muito útil. Eu conquistei minha cidade. Agora sempre há preconceito... Mas Nova Venência está mostrando ao mundo que a essência é maior que a aparência...E Moa, como é seu dia-a-dia? Além de vereadora, você exerce uma série de funções, não é?Eu sou profissional de cabelo há 22 anos. Quando não é janeiro, mês de recesso na Câmara, vou cedo para o salão, depois para a Câmara e à noite retorno para o salão. Agora, com a presidência nas minhas mãos, eu já estou fazendo diferente. Fui à Câmara redirecionar algumas coisas, fazer umas mudanças gerais. E a montagem do meu gabinete, que está mudando. Na medida do possível, pretendo conciliar as duas coisas. Vou procurar ficar das 8h às 13h na Câmara e, a partir desse horário, vou ao salão. Por enquanto não posso abandonar minha profissão que é cabeleireiro...Os seus clientes são também seus eleitores? Eles te exigem muito como vereadora?Nova Venécia toda tem muita liberdade comigo. Desde os mais humildes ao médico, ao juiz... Todos têm liberdade de colocar o que pensam, o que querem, se eu devo mudar. Cada vez que a mídia me joga mais ainda em evidência, eu me sinto ainda mais comprometida com o diferente, porque eu tenho que fazer a diferença naquela Casa.E você namora?Eu sempre fui de ter casos. Eu tive três casos na minha vida: um que durou três anos, outro que durou treze e, depois, outro de quatro anos, que foi assassinado. Depois disso nunca tive mais ninguém. E cada dia fica mais complicado...Você pretende fazer a cirurgia de readequação genital?Não, estou feliz assim. Existo como mulher, mas não uso saias, por exemplo. Uso roupas femininas, porém, nunca gostei de saia... Acho que minha felicidade não depende de adequação de genitália...E qual é o futuro de Moa e de Nova Venécia com seu nome à frente da presidência da Câmara?Acho que nunca devemos prever o futuro político. Vou começar agora uma nova função e vou trabalhar para ver o que a cidade deseja da Moa. A cidade pode esperar trabalho com afinco, da forma que sempre trabalhei, será uma luta incansável pela busca de recursos. Trabalharei respeitando outros poderes, com certeza, quero fazer a diferença. Ainda não defini meu slogan, mas o meu slogan de campanha foi “A transparência faz a diferença”, de repente eu fico agora com “Transparência e Diferença”.

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