Este post vem na sequência de um comentário da Eduarda sobre a reflexão das panteras relacionada com o debate sobre a despsiquiatrização da populção transgénero.....
As afirmações absolutistas do comentário da Eduarda merecem alguma reflexão e apesar das tentativas de não me emiscuir no debate, a confusão em torno desta questão já chegou a tal ponto que precisa de uma achega ( para ficar mais confusa, claro)..
Se bem percebi, o post faz referência sim a pessoas transgénero, e muito bem, porque independentemente do diagnóstico clinico que lhe seja atribuido, isso não significa automáticamente que a pessoa se deva ou tenha obrigatóriamente de definir como transexual.
Pessoalmente não me revejo nesse tipo de imposição clinica que me obriga a definir-me como transexual, e para dar um exemplo prático:
Eu, Jó Bernardo, com um historial de vida segundo o género pretendido de 21 anos, diagnosticada clinicamente como transexual segundário (eu preferia segundária em vez de segundário!!...) não me defino como transexual mas sim como transgénero e nesse sentido revejo-me plenamente no texto escrito pelo Sergio e pergunto-me igualmente a que propósito é que as decisões relacionadas com a minha identidade devam depender exclusivamente e arbitrariamente de psicólogos cujo conhecimento em matéria de identidade de género é bem mais limitada que a minha ou a de muitas/os de nós.
Estarei eu ou o Sergio a dizer que se deve abolir o acompanhamento psicológico sem mais? Não me parece ter alguma vez lido tal afirmação, mas estamos concerteza a lutar por que o poder de decisão deixe de estar concentrado num só lado da balança e que o nosso futuro deixe de depender exclusivamente de terceiros, e repito, cujo conhecimento na matéria continua além do desejado, salvo mui raras excepções, obviamente, mas demasiado insignificantes para que produzam alterações de fundo no sistema.
Haverá outras formas de luta concerteza, mas então por favor, que sejam apresentadas de forma concreta e com estratégia! E não nos fiquemos pelo mero chorro de desagrados.
Não me defino como transexual porquê?
Porque é uma mera definição clinica restritiva e limitada para a definição de uma personalidade ou se quisermos de uma identidade, ao contrario das definições de homem ou mulher que são definições abstratas porque definem exclusivamente o género e não têm em conta a morfologia as patologias, disforias, cor, orientação sexual, etc.
A definição do termo transexual ao não evoluir transformou-se na definição mais absurda se compararmos com todas as outras, porque continua a fazer referência ao sexo e não ao género quando estamos cansadas/os de saber que não é assim. Clinicamente as/os mesmos técnicos que opinam e decidem sobre a matéria insistem na imposição de um determinado comportamento sexual, demonstrando uma ignorância profunda sobre a população que acompanha.
Qualquer uma destas e muitas outras incorrecções, na definição do termo transexual, são susceptiveis de criar mecanismos de exclusão junto de outros grupos que, por razões culturais sociais ou até educacionais, não se revêm na definição de transexualidade tradicional mas que nem por isso deixam de ser transexuais em termos de definição clinica ( partindo do principio do que é a definição actual em Portugal).
Porque é que me defino como Transgénero?
Transgénero porque, para além das especificidades dentro do grupo de definição clinica do diagnóstico de transexualidade, ( primária, segundária, etc) e da orientação sexual multipla de cada um destes individuos, existem milhares de outras visões e manifestações de identidade de género que mereceriam concerteza o respectivo diagnostico de transexualidade num contexto civilizacional ocidental mas que se manifestam social e/ou culturalmente de outra forma. Compreendo que se estivermos sempre na mesma capelinha a rezar sempre ao mesmo santo, seja natural que o que nos interessa é o que vai dentro da sacristia e não o que vai evoluindo no mundo.
A palavra transgénero, deriva do termo Transgender, utilizado já á algumas decadas por uma comunidade que percebeu e muito bem como, sendo tão diversa, encontrava pontos em comum na sua luta pelos direitos mais elementares, incluindo a luta pelos direitos especificos das/os transexuais.
A palavra transgénero teve e continua a ter como objectivo principal a inclusão das mais variadas formas de representação social do género e evitar eventuais exclusões de grupos ou manifestações que não se revejam nas definições tradicionais. E não sou eu quem o diz, são as instituições mais credênciadas a nivel mundial e não pequenos grupos fundamentalistas transexuais, saidos da cabeça de algumas, poucas, ressabiadas que estão a anos luz de afirmar ou desvirtuar terminologia globalmente aplicaca e que continua, em termos de definição a ser a mais consensual entre a maioria (da população transgénero obviamente, não da transexual radical!).
Mas vamos ao que interessa de facto:
Em que medida é que a terminologia prejudica ou altera substancialmente a defesa dos interesses da comunidade trans (de transgénero e não de transexual)?
Em termos de formação generalizada, pouco ou nada.
Lembram-se das reações iniciais da imprensa e das associações LGB relacionadas com o caso Gisberta no que se refere à utilização da terminologia? Teremos a memória assim tão curta?
Em termos de estratégia politica junto das instituições, qual a terminologia a adoptar?
É obvio que a definição de transexualidade terá que ser utilizada sempre que o objectivo for institucional, juridico, etc, porque o objectivo principal é o de permitir a adquisição de direitos utilizando a linguagem mais comum. Mas isso não significa que tenhamos que passar a ter que nos defenirmos todas/os como transexuais.
Em termos de acompanhamento clinico e utilizando a minha situação especifica, (que é para não me por a dizer a torto e a direito “ eu tenho um amigo que..”) ( prived jocke) dizia eu, no meu caso especifico e que no fundo é da maioria (por mais que isso incomode a minoria):
O simples facto de ter optado por não efectuar a operação de reasignamento de sexo, deve de ser considerado como razão suficiente de exclusão para acompanhamento clinico?
Qual o argumento sustentavél para que eu abdique da minha pretenção a aceder em igualdade de circunstancias aos mesmos tratamentos e direitos que qualquer pessoa que se diz transexual, independentemente de ter optado por não efectuar a cirurgia de reasignamento de sexo?
É preferivel continuar a falsear o diagnostico ao invés de afirmar a diversidade da população transgénero (especialmente a transexual) para se alcançar o objectivo, qualquer que ele seja?
E as/os “auto-denominadas/os” transexuais (auto-denominadas/os porque o diagnóstico ainda não foi concluido) que mentem descaradamente aos clinicos sobre o desempenho dos seus orgãos genitais nos seus relacionamentos sexuais ou sobre a sua orientação sexual devem também ser excluidos do processo?
A continuarmos assim não fica ninguem para a amostra para os "study case" dos Senhores Doutores!
Recusando eu a definição de transexual segundo os critérios utilizados em Portugal...Terei que passar a designar-me por andrógina?...
Em termos de comparação de diagnostico:
O que é que me diferência da Eduarda para a Eduarda merecer o estatuto de transexual e eu o de andrógina? (porque a questão aqui não é sobre transgéneros. Transgéneros, segundo a definição internacional somos todas/os)
O viver á 21 anos segundo o meu género identitário mas sem o amen dos respectivos clinicos?
Partindo desse principio, a definição terminológica depende exclusivamente do ser ou não ser acompanhada no SNS?
A utilização dos meus orgãos genitais?
A minha feminilidade natural? (contestável é claro)
O facto de eu me recusar a pertencer a ser definida por uma terminologia incorrecta, restrictiva, meramente clinica e optar por uma outra muito mais abrangente e menos discriminatória faz de mim uma andrógina?
A minha orientação sexual que em termos de diagnóstico até é tradicional? (Eu adoro homens com H grande).
E que conste que a definição de "andrógina" aplicada à minha pessoa não mereçe qualquer comentário depreciativo da minha parte, pelo contrario, orgulho-me muito de fazer parte desta grande comunidade Transgénero (de Transgender People) a que afirmo pertencer.
E se de facto uma mulher não ter seios não é uma imposição social então porque será que as protéses de cilicone esgotam á medida que são fabricadas? Um mero capricho?
E as que se fazem operar no mesmo serviço do HSM que nós, quer seja para aumento do peito quer seja para diminuição, e cujo argumento é também o de que não se sentem bem com o seu corpo e que cria problemas de socialização, de saúde, de depressão, etc..
Serão elas alvo da mesma "atenção" e acompanhamento psiquiátrico?
deve de lhes ser exigido também o mesmo tempo de acompanhamento?
Ou pura e simplesmentye de de lhes ser retirado esse direito? (para os argumentadores da "natureza".)
De uma coisa estou certa, é concerteza um acrescento mais na diferenciação dos modelos binários.
Obviamente que todas as pessoas ou grupos são livres e autónomas/os (espera-se) de tomarem as posições que melhor lhes convier e, haverá sempre grupos que se apropriem da sigla trans (abreviação de transgender e não transexual) para tecerem os mais interesseiros argumentos. Até já há quem afirme que após a respectiva operação de reasignamento de sexo se passa a ex-transexual.....o que se esquece é que partindo da perspectiva de que a definição se baseia no principio da mudança de terminologia segundo o percurso efectuado, o argumento omite um pequeno detalhe que espelha bem a conveniência da afirmação, segundo esse critério, esqueceu-se de que para se ser ex-transexual ja se foi também ex-homem, e mesmo que este argumento parecesse ridiculo aos olhos dos bem pensantes, bastaria o argumento de que mulher nunca será..... anatomia biologica oblige!!!!
Obviamente que cada um/a deve lutar segundo os seus interesses pessoais, somos livres blablabla. Mas não poderemos esquecer que perdemos qualquer autoridade argumentativa contra todo o tipo de discriminação ao olharmos só para o nosso umbigo e que este retrocesso que se verifica em Portugal em termos de discurso, deriva exclusivamente da manifestação egoista de pessoas que têm como unico interesse, resolver a sua questãozinha pessoal fomentando dessa forma uma visão fechada em torno de uma terminologia, esquecendo-se propositadamente, ou não, de que há outras visões do mundo e outras vias que merecem ser igualmente respeitadas, mas essas, porque nos são alheias, não merecem ser consideradas. É pena, apesar de estarem no seu direito.
No que me diz respeito, lamento, mas não me revejo nos argumentos da Eduarda e não quero fazer parte de um grupo que teima em querer diferenciar-se pela terminologia que não faz juz á inteligência de quem a utiliza como definição identitária ou como imposição de diferênciação, pelo incorrecta e depreciativa que é.
Defenderei sempre todas as causas que sirvam a implementação dos direitos elementares de qualquer grupo no sentido de uma melhor integração social e cultural de igualdade de direitos desses mesmos grupos mas nunca defenderei movimentos fundamentalistas de auto-afirmação. E esta é para mim uma forma de fundamentalismo com o qual me recuso a pactuar, nenhuma transexual tem o direito de impor uma diferênciação sobre outra pessoa que sendo talvez transexual não o sabe ou não se identifica com visões estremas com as quais a mesma se identifica ou que obrige a uma qualquer certificação clinica, elaborado de forma arbitrária e muito provávelmente falseado pelo testemunho apresentado.
Compreendo que essa possa ser até a via mais fácil em termos de defesa de direitos sociais, mas terá custos elevadissimos junto da população transgénero que não se reveja nessa visão limitada sobre a definição do género que, pessoalmente, não estou disposta a pagar.
Acredito profundamente que a discussão do modelo binário para consumo interno, faria cair por terra muitas das interrogações que são postas hoje em dia á população transgénero (transexual incluida) e que passariamos mais facilmente para a analise sobre as estratégias a adoptar para a obtenção dos nossos direitos, independentemente das diferenças que nos caracterizam. Enquanto discutimos qual dos anjos é que a tem maior ou se é anjo ou diabinho, muita gente esfrega as mãos de contente porque enquanto o debate estiver ao nivel de discutir quem mete o T e tira o T e acrescenta mais o F... ninguem será confrontado com o que realmente interessa, mas para isso seria necessário deixar de olhar tanto para o proprio umbigo e olhar um pouco mais para o que gira para além da nossa roda.
Jó